Há alguns anos, Amit Goswami estava a realizar uma palestra no Brasil sobre o recém surgido paradigma da ciência baseado na física quântica. Um participante desafiou-o:
– Já ouvi falar muito sobre as novas interpretações que integram ciência e espiritualidade. Mas isso não é só teoria? Quando é que vocês nos vão apresentar provas ou dados?
Por um instante, Amit ficou abalado, mas depois respondeu:
– Na verdade, fizemos o nosso trabalho. As evidências científicas da espiritualidade, incluindo dados experimentais, estão aqui. Mas eu pergunto: o que estamos a fazer com elas?
A pergunta deu origem a muitas questões, algumas das quais se descrevem de seguida.

- Se a espiritualidade foi restabelecida pela ciência na nossa vida, então devemos observá-la. A minha formação religiosa diz que devemos ser virtuosos. Eu gostaria de me tornar um ser humano mais amoroso, sincero, justo e solidário. A nova ciência pode me ajudar?
- Quando penso na espiritualidade, penso em Deus, e tenho dúvidas sobre Ele. Essas dúvidas fizeram com que eu me voltasse para objetivos materiais, que não me deixaram mais feliz. Eu gostaria de resgatar a espiritualidade na minha O que tem a dizer a nova ciência?
- Se a espiritualidade é real, isso significa ter de abdicar de objetivos materiais em seu benefício? E se eu quiser explorar o meu potencial criativo?
- Desisti de Deus, pois não entendo como um Deus bom permite que aconteçam tantas coisas ruins. Não consigo aceitar a divisão entre bem e mal do cristianismo popular. A nova ciência pode-me ajudar nessa questão?
- Gostaria de trabalhar em soluções para os nossos problemas sociais. Isso é espiritual?
Hoje, há muita gente confusa em relação à ética, ao valor da religião e da espiritualidade, e mesmo sobre o livre-arbítrio e a criatividade na busca do potencial humano; isso é resultado das afirmações categóricas e desmedidas da ciência convencional em prol do materialismo científico – todas as coisas (objetos materiais, pensamentos e ideias como espiritualidade e Deus) podem ser reduzidas a partículas elementares de matéria e suas interações.
O cristianismo popular deveria oferecer respostas a tais disposições, mas as suas conceções simplistas não nos ajudam a lidar com essas afirmações. Assim, a ideia de que Deus é uma ilusão e que seria melhor esquecê-lo foi ganhando terreno.
Mas o Deus que os cientistas tradicionais denigrem é justamente aquele da crença popular simplista: um Deus onipotente que, do seu trono celeste, julga as pessoas e envia-as para o céu ou para o inferno; um Deus que criou o mundo e todas as espécies vivas de uma só vez, há seis mil anos; um Deus que permite que coisas ruins aconteçam a pessoas boas; um Deus que se supõe perfeito e que, no entanto, tem imagens imperfeitas – ou seja, nós.
Pois bem, precisamos ser claros. Que natureza de Deus a física quântica e o pensamento do primado da consciência estão postulando? O Deus da nova ciência é compatível com o Deus de que falam as grandes tradições religiosas? Amit Goswami discutiu essas questões no seu livro, “Deus não está morto”, e apresenta-se um rápido resumo dos seus pontos básicos.
Na ciência materialista, existe apenas uma fonte de causação: as interações materiais. Dá-se-lhes o nome de causação ascendente, pois a causa sobe desde o nível básico das partículas elementares até aos átomos, às moléculas e à matéria densa que inclui as células vivas e o cérebro.
Só que, segundo a física quântica, os objetos são ondas de possibilidade, e tudo o que as interações materiais conseguem fazer é transformar possibilidade em possibilidade, mas nunca em realidades que experimentamos. Como o dualismo, este também é um paradoxo. Para transformar possibilidade em realidade, é necessária uma nova fonte de causação, que se chama de causação descendente. Quando percebemos que a consciência é a base de toda a existência e que objetos materiais são possibilidades da consciência, então também percebemos a natureza da causação descendente: ela consiste na escolha de uma das facetas do objeto multifacetado da onda de possibilidades, que então se manifesta como uma realidade. Como a consciência está escolhendo uma das suas próprias possibilidades, e não algo separado, não existe dualismo.
A física quântica pode ter um caráter preditivo e determinista para um grande número de coisas; contudo, para eventos isolados e/ou objetos individuais, existe espaço para a liberdade de escolha e para a criatividade.
Porque não podemos usar a nossa liberdade de escolha para criar a nossa própria realidade e fazer com que só aconteçam coisas boas? Esta é uma boa pergunta. E como é possível não estarmos conscientes de que estamos a fazer escolhas da maneira como se sugeriu? Esta é a resposta crucial. O estado de consciência a partir do qual fazemos escolhas é um estado mais sutil, extraordinário, de uma consciência interconectada na qual somos todos um, uma consciência quântica “superior”. Por isso, é apropriado chamar de descendente a causação dela proveniente, e de Deus a sua fonte.
A unidade interconectada da consciência é aquela em que as conexões se dão sem sinal; o nome técnico para essas conexões sem sinal é “não localidade quântica”. Na teoria da relatividade de Einstein todas as interações no espaço e no tempo devem ocorrer através de sinais. Assim, segundo as palavras do físico Henry Stapp, a causação descendente não local deve ocorrer “fora” do espaço e do tempo, embora seja capaz de produzir um efeito – a realidade – no espaço e no tempo.
Se você percebeu paralelos entre esta ideia e a evocação que costuma ser feita em discussões espirituais de alto nível – “Deus é tanto transcendente ao mundo como imanente a ele” –, isso é bom. Antes do aparecimento da física quântica, era dessa maneira que os mestres espirituais tentavam mostrar que a relação entre Deus e o mundo não é dualista. E quando as pessoas leigas se queixavam da obscuridade dessa afirmação, eles diziam que Deus é inefável, o que só aumentava a dificuldade de compreensão.
Na nova ciência, a relação entre Deus-consciência e a consciência comum egóica é clara: na segunda, conexões e comunicações devem usar sinais; na primeira, a comunicação sem sinal é a norma.
A existência de comunicações não locais entre pessoas foi confirmada e replicada em milhares de experimentos. Como as interações materiais nunca podem simular a não localidade, essa prova experimental da existência de Deus, visto como uma consciência superior, uma interconexão não local de todas as coisas, é definitiva.
Temos livre-arbítrio? Se somos capazes de acessar à nossa consciência superior e fazer escolhas a partir dela, pode apostar que sim; temos a total liberdade de escolha de entre as possibilidades quânticas apresentadas em qualquer ocasião. Dispomos de livre-arbítrio para escolher o mundo, bem como Deus e a natureza divina, a criatividade e a transformação espiritual.
A física quântica é a física das possibilidades, e a sua mensagem incontroversa é que temos potencialmente a liberdade de escolher, de entre essas possibilidades, resultados que podem ser vivenciados.
Fontes:
GOSWAMI, Amit. The self-aware universe: how consciousness creates the material world. Nova York: Tarcher/Putnam, 1993. [O universo autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. 2.ed. São Paulo: Aleph, 2008.]
GOSWAMI, Amit. The visionary window: a quantum physicist’s guide to enlightenment. Wheaton, IL: Quest Books, 2000. [A janela visionária: um guia para a iluminação por um físico quântico. São Paulo: Cultrix, 2006.]
GOSWAMI, Amit. Physics of the soul: the quantum book of living, dying, reincarnation, and immortality. Char lottsville, VA: Hampton Roads, 2001. [A física da alma: a explicação científica para a reencarnação, a imortalidade e a experiência de quase-morte. 2.ed. São Paulo: Aleph, 2008.]
GOSWAMI, Amit.. The quantum doctor: a physicist’s guide to health and healing. Charlottsville, VA: Hampton Roads, 2004. [O médico quântico: orientações de um físico para a saúde e a cura. São Paulo: Cultrix, 2006.]
GOSWAMI, Amit. God is not dead: what quantum physics tells us about our origins and how we should live. Charlottsville, about our origins and how we should live. Charlottsville, VA: Hampton Roads, 2008. [Deus não está morto: evidências VA: Hampton Roads, 2008. [Deus não está morto: evidências científicas da existência divina. São Paulo: Aleph, 2008.]
GOSWAMI, Amit. Creative evolution: a physicist’s resolution between Darwinism and intelligent design. Wheaton, IL: Theosophi Darwinism and intelligent design. Wheaton, IL: Theosophical Publishing House, 2008. [Evolução criativa das espécies: uma resposta da nova ciência para as limitações da teoria de Darwin. São Paulo: Aleph, 2009.]
GOSWAMI, Amit. Creativity at the time of crisis and paradigm shift. Center for Quantum Activism, 2011. [Criatividade para o século 21: uma visão quântica para a expansão do potencial criativo. São Paulo: Aleph, 2012.





Dr. Colin Barron


